A HISTÓRIA DA TURMA DE GUARDAS MARINHA DE 1978 – A TURMA DO CANECÃO
O cenário é dos anos 70, com inflação galopante e o dinheiro se desvalorizando, mesmo nas melhores aplicações. Diante disso, a comissão de festa da nossa turma, orientada por algumas autoridades, pais de alguns de nossos colegas aspirantes, resolveu investir o dinheiro que estávamos juntando ao longo dos anos comprando antecipadamente o que precisaríamos para o nosso tão sonhado Baile da Espada.
Alugamos então a casa de shows Canecão, com o artista que estivesse se apresentando no dia do evento. Para felicidade nossa, a temporada de dezembro de 1978 era nada mais nada menos do que com o Rei Roberto Carlos.
Quando o cantor verificou a agenda dos seus shows daquele mês, constatou que na planilha constava uma apresentação em formatura da Marinha e indagou à direção do Canecão onde estava o dinheiro dele, sendo informado que todos os ingressos foram comprados previamente, inclusive as mesas de frisas e camarotes. O artista disse que não cantaria, mas lhe foi, então, a cláusula do contrato estabelecendo que, se ele não cantasse, lhe seria cobrada uma multa muito alta. Fomos, então, agraciados, na mais pura pressão, com o show de Roberto Carlos na noite de 13 de dezembro de 1978. Acredito que um show de formatura com o Rei, naquela época, seria impagável.

Chegou o dia do nosso baile, com todos os militares de dinner jacket, as madrinhas e os convidados rigidamente bem-vestidos, todos os almirantes a bordo do Canecão, comida farta, serviço do buffet exemplar, estava tudo às mil maravilhas.
Começou o show, e Roberto Carlos, antes de cantar cada música, contava uma piada ou citava um fato baseado na letra da canção. Contou uma piada de motel, falou de Jesus Cristo e foi por aí. Em nenhum momento, mesmo vendo todos fardados e sabendo que o baile era de uma formatura da Marinha, fez menção ao nosso momento maior.
Lá pelo meio do show, quando terminou uma música (em nenhum momento anterior atrapalhei a apresentação dele). pedi: “dá um Viva a Marinha, Roberto”. Imediatamente, fui ovacionado pela maioria dos presentes, mas Roberto nada fez. Esse ato se repetiu pelo menos mais quatro vezes. Depois do meu último pedido, ele se virou para mim e falou: “Bicho, você deveria beber menos”. Ato contínuo, ele foi vaiado pela turma. O show continuou, não mais me dirigi a ele e, ao final, ele dedicou o espetáculo ao filho dele.

Quando terminou o baile, fui para casa com a minha família. No domingo após o evento, meu amigo e 01 de turma Nilton Moreira Salgado (in memoriam) me ligou e me comunicou que toda a direção da Escola Naval (EN) estava me procurando e que dois guardas-marinha (GM) estavam presos, devido a outras ocorrências durante o baile. Na segunda pela manhã, fui para a EN com minha mala pronta, esperando o pior. Quando lá cheguei, fui abordado pela sentinela, que me perguntou se eu conhecia o GM Ribeiro Afonso. Falei que sim, e ele me disse que a ordem era para ele se apresentar ao Comandante do Corpo de Aspirantes (Comca). Troquei de roupa e fui me apresentar ao Comca. Este logo me levou ao Contra-Almirante Luiz Edmundo Brigido Bittencourt, que iniciou a audiência e me puniu com 15 dias de prisão rigorosa (PR) pelo meu comportamento indevido no baile.

Naquela mesma manhã, fui apresentado ao Comando-Geral do Corpo de Fuzileiros Navais (CGCFN) para cumprir a PR estipulada. Quando cheguei ao local, lá estavam o então comandante-geral, Vice-Almirante (FN) Domingos de Mattos Cortez, e todo o seu staff me esperando. Pensei comigo: “a coisa está feia”. Apresentei-me ao almirante, e ele me informou que eu cumpriria a pena naquele local, mas que não me colocaria no bailéu. Eu cumpriria os primeiros dez dias, incluindo o Natal, podendo listar os familiares que eu quisesse para uma ceia natalina ali no CFN. Depois, eu iria para casa e retornaria após o Ano Novo para cumprir mais cinco dias. E completou: “Você foi o único homem com dignidade moral naquela festa, e eu estava lá”. Sem demagogia, ainda lacrimejo quando relato esta história e relembro destas palavras.
Para mudar o clima, o Almirante Cortez me informou que meu cicerone durante minha estada naquelas instalações seria o Tenente Roberto Carlos Pontes. Adsumus! Até hoje me lembro deste episódio quando ouço ou leio, em quaisquer documentos, discursos, palavras de ordem e passagens de comando, a expressão “Viva a Marinha!”.
Cleber Ribeiro Afonso